quinta-feira, 17 de abril de 2014

Não precisa ser um gênio

Por que tantos esforços ligados à inovação dão tão pouco resultado? É que inovação passou a ser associada à genialidade em tecnologia, a um tipo afetado de criatividade, coisa para raros. As referências são sempre as mesmas: Steve Jobs, Bill Gates, os caras do Google, algum novo milionário do Vale do Silício. Não deveria ser assim. Inovação não tem a ver com genialidade (nem com tecnologia necessariamente). Inovação tem de ser como qualidade, gestão de RH, marketing... coisas para as quais não se necessitam de gênios, bastam profissionais preparados. Em nosso livro Innovatrix – Inovação para Não Gênios, eu e Adriano Lima (dois físicos) descrevemos o método que criamos para inovar. Para nós, a criatividade que conta para as empresas pode ser aprendida por qualquer um. A seguir, um resumo da ideia central, a partir de fragmentos do livro.
A história que nos motivou teve início há mais de 60 anos, mas só veio à tona no final dos anos 80, quando uma coleção notável de tecnologias começou a migrar dos escombros da antiga União Soviética para os Estados Unidos e a Europa. Havia muita coisa interessante, como concepções de máquinas, processos e materiais desconhecidos do resto do mundo. Uma das coisas mais interessantes era produto de pesquisas feitas desde os anos 40 por um cientista russo, Genrich Altshuller, um sujeito obcecado por decifrar o funcionamento das “mentes inovadoras”. Ele se perguntava: quem inova segue algum padrão, ou suas descobertas são aleatórias? Para descobrir, mergulhou no estudo de milhares de patentes. Examinou, catalogou e organizou de modo a identificar o princípio inventivo que estava por trás de cada uma. Descobriu algo incrível: a criação inventiva pode ser codificada em pouquíssimos princípios! Ficou tão empolgado que escreveu ao “camarada Stalin” explicando por que a União Soviética era medíocre como inovadora e oferecendo seu método para revolucionar a criatividade no país. Foi condenado a 25 anos de prisão em um gulag.
A União Soviética não era propriamente um lugar que valorizasse criatividade prática. Ao sair da prisão, Altshuller tinha vivido uma saga que merece filme. Aperfeiçoara seu método com outros cientistas presos, e ensinara-o a quem quisesse manter a mente viva nos campos gelados da Sibéria. A teoria que desenvolveu – Triz , sigla que, em russo, significa Teoria para a Solução de Problemas Inventivos – ficou restrita à União Soviética por muitos anos. Em 1989, o império soviético desmoronava e milhares de cientistas de lá (muitos deles físicos e matemáticos) começaram a chegar aos Estados Unidos e à Europa com conhecimentos técnicos de primeira linha e muita vontade de ganhar dinheiro. Seu primeiro alvo foi o mercado financeiro, que os acolheu de braços abertos. Muitos passaram a contribuir com suas modelagens para os instrumentos de investimento de bancos e fundos de Wall Street. Colaboradores e ex-alunos de Altshuller também migraram, e o Triz começou, aos poucos, a chamar a atenção de especialistas de vanguarda. Hoje, o Triz é amplamente usado por muitas das maiores empresas do mundo, como GE, Boeing, Siemens... Seu eixo central é a eliminação do que Altshuller chama de contradição técnica. Exemplo: querer um carro mais rápido e que também gaste menos combustível. Nas mais de 200 mil patentes estudadas por ele foram identificadas 1,5 mil tipos de contradições assim. A eliminação delas foi feita com o auxílio dos princípios que ele descobriu. Inovar, para Altshuller, era remover contradições técnicas.
O princípio inventivo da escada rolante também norteou 
a concepção da linha de montagem de Ford
O método que criamos apoia-se na mesma ideia: a chave para inovar no mundo empresarial é a remoção de contradições que limitam e impedem a geração de riqueza nova nas organizações. Pense em qualquer grande inovação de que você se lembre: o computador pessoal, o Cirque du Soleil, o iPod, as linhas aéreas de baixo custo, o Google... Qualquer uma, de qualquer setor, de qualquer lugar, eliminou uma contradição que estava estabelecida na forma vigente de se fazer as coisas.
Método é essencial, porque pessoas naturalmente inovadoras são raríssimas. Somos descendentes de ancestrais que só sobreviveram porque pensavam “dentro da caixa” do limitado repertório das coisas que tinham de fazer para gerar crias. O que fica programado em nós são regras tipo “não ponha a mão no fogo, menino!”, “olhe para os lados antes de atravessar a rua, garoto!”. Nossa espécie não evoluiu por ser mais criativa e original, mas porque embutiu a superficialidade, o não rigor, em seu sistema nervoso. Quem quer inovar tem de partir desta verdade e resolver a seguinte contradição: quero ser criativo, mas minha mente não é naturalmente criativa (porque sou humano e, na maior parte das situações cotidianas, é mais seguro não ser criativo).
Nossa inspiração é a mais científica das descobertas sobre o tema inovação: criatividade pode ser capturada por ferramentas, e é possível codificar as práticas que levam a “dinheiro novo”. Há princípios que norteiam a inovação empresarial da mesma forma que há “leis de Newton” que norteiam a dinâmica do movimento.
Vamos ilustrar por meio de uma historinha que adaptamos da revista The Economist. Há 50 anos, um magnata americano reforçou os conveses do Ideal-X, um navio-tanque que sobrevivera à Segunda Guerra, e o carregou com 58 grandes caixas metálicas cheias de mercadorias que, normalmente, viajariam como carga solta. Nascia o contêiner de expedição. O Ideal-X navegou de Newark a Houston, onde as caixas foram descarregadas para caminhões e seguiram para seus destinos finais. Em 1956, o duríssimo trabalho de carregar nas costas carga para um navio custava US$ 5,83 por tonelada. O carregamento do Ideal-X custava menos de US$ 0,16 a tonelada. A conteinerização reduziu dramaticamente o custo de levar produtos de um lugar a outro. Hoje, portos gigantes como Hong Kong, Cingapura e Los Angeles florescem. Os navios ficam cada vez maiores. Alguns transportam aproximadamente 9 mil contêineres, e há planos para navios que transportarão o dobro. Cada supercargueiro desses necessitaria de uma fila de caminhões de quase 100 km para transportar todos os contêineres que levam.
Qual a contradição que a “inovação contêiner” resolveu? Quero transportar mais mercadorias sem acrescentar mais espaço ao navio... Quer dizer, “quero mais espaço, mas não quero acrescentar mais espaço”. Como o Innovatriz trataria isso? Como tudo o que se apoia nas pesquisas de Altshuller, nosso método diz: não se acomode à contradição, elimine a contradição. Você pode ter as duas coisas. Isso rompe com nossos mecanismos mentais naturais. “Ter as duas coisas”, como assim? Você chega lá por meio de um ou mais dos 40 princípios inventivos que Altshuller descobriu. Assim: definida a contradição, vá até uma tabela, onde você será direcionado para uma lista dos princípios inventivos que, em problemas análogos, no passado, nortearam as soluções encontradas.
Problemas análogos? Isso mesmo. Exemplo: “Preciso de mais espaço, mas não tenho mais terreno para expandir minha casa”. Contradição: quero mais espaço/não é possível conseguir mais espaço. É “meio” parecido com o problema do Ideal-X, não é? Qual foi o princípio inventivo que norteou a solução dessa contradição? Foi um que diz: “Introduza ou elimine uma dimensão física ao problema”. Quer dizer o seguinte: “Se você está no plano, vá para o espaço; se está no espaço, vá para o plano”. O problema foi resolvido colocando uma casa (que estava no plano) em cima de outra, depois mais outra, e outra ... – ocupando o espaço físico em outra dimensão –, uma inovação que se chamou “edifício”. Uma grande inovação. Mais adiante (bem mais adiante), ficou claro que esse empilhamento de casas era uma solução limitada – as pessoas não aguentavam subir mais do que cinco ou seis andares pela escada. Outra contradição: “Quero mais andares, mas não quero subir mais andares”. Corra à tabela. Há um princípio inventivo que diz: “Faça aquilo que se move ficar parado, faça aquilo que ficava parado se mover”. Bem, as pessoas se moviam, a escada ficava parada. Inverta isso. Era preciso arranjar uma escada que se movesse. Arranjaram. Chamaram de “elevador” e foi inventado em 1860 por um cara chamado Otis. Mas elevador não é bem uma escada que anda. A tendência de evolução prosseguiu, até que apareceu uma verdadeira escada andante. Você a conhece: nós a chamamos de “escada rolante”.
O princípio inventivo que norteou a solução “escada rolante” norteou também a linha de montagem de Henry Ford que, por sua vez, tinha se inspirado em abatedouros de gado que usavam o mesmo princípio – carcaças de bois se movem, pessoas que fazem os cortes ficam fixas. Em Madurai, na Índia, surgiu uma grande inovação em cirurgia de catarata que virou benchmark mundial (menos custo, melhor resultado). Chama-se Aravind Eye Hospital, e baseia-se no mesmo princípio – os pacientes é que se movem, conduzidos por uma espécie de esteira rolante, os médicos que executam os vários procedimentos do ato cirúrgico ficam fixos. O fundador diz que se inspirou no método McDonald’s de produzir hambúrgueres. Conexões, conexões, conexões. Onde vamos parar?
Exemplo de conexão: um hospital da índia se inspirou no 
método McDonald’s para produzir hambúrgueres
Mas para o Ideal-X, nada disso resolveria. Construir outro andar no navio não eliminaria a contradição (tinha de ser o mesmo navio, não um navio reformado). Também não se trata de movimento relativo, como no problema pessoas-escada-elevador, portanto, não adianta buscar orientação em “faça as coisas ao contrário”. Algum outro princípio nortearia a solução? Vamos à tabela de novo. Há um princípio inventivo que diz: “Em problemas em que há limitações físicas, recorte o espaço existente e rearranje os retalhos do recorte” – “segmente”. Ôpa, como é? Dividir o espaço para aumentar o espaço? É isso mesmo. Divida fisicamente o espaço. Talvez... colocando as mercadorias em caixotes, de modo que cada tipo vá para um mesmo caixote, eliminando ao máximo os espaços vazios entre as mercadorias dentro dele. Depois, arrume os vários caixotes de modo que se encaixem o mais possível, sem deixar espaço entre eles. Segmente o espaço existente por meio de barreiras físicas, este é o princípio inventivo. As paredes do caixote são essas barreiras. Foi assim que surgiu o contêiner. Umas das maiores inovações pós-Segunda Guerra é tão simples como um caixote! Precisava ser gênio para ter chegado a ela? Não. Precisava só usar método para contornar nossa inércia psicológica natural, e nos ajudar a ... bem... a pensar fora da caixa (desculpe o trocadilho bobo, mas não resistimos).
O processo que levou ao contêiner ilustra as linhas gerais de como se inova em qualquer coisa (inclusive em modelos de negócio). Vamos ver em seguida uma empresa de petróleo e gás – a British Petroleum – que inovou fazendo um rearranjo puramente organizacional análogo à revolução inovadora da GM nos anos 20, e usando os mesmos princípios inventivos! Depois veremos Nokia, Cirque du Soleil, Southwest Airlines, Toyota, Zara, Dell, Cemex, Casas Bahia, entre outros casos. A abordagem “oceano azul”, por exemplo, é complementada e expandida por meio do Innovatriz. Sempre o mesmo processo: uma lacuna definida por uma contradição, e um ou mais princípios inventivos norteando a solução a que se chega por meio das ferramentas certas. Ou seja: o que vale para um “caixote inovador” vale para uma organização! Não é intuitivo, mas é assim. A validade disso – usar os mesmos princípios invent
Nosso ponto de partida foram as pesquisas iniciadas nos 
anos 40, que geraram 3 milhões de patentes
Innovatriz é uma extensão do Triz para além do mundo dos artefatos tecnológicos ao qual estava confinado. Nós o trouxemos para o mundo das empresas, incorporando conceitos novos como o de “modelo de negócio”, central para a inovação empresarial.
Nosso ponto de partida foram as pesquisas que começaram com Altshuller nos anos 40. Hoje, perto de 3 milhões de patentes e centenas de casos empresariais foram incorporados à formulação original. Mais de 3 mil pesquisadores dedicados à inovação metódica pelo mundo expandem continuamente a base de conhecimento a partir da qual se inova sistematicamente. Nós somos dois desses pesquisadores.
Clemente Nobrega com Adriano Lima

Fonte: ÉPOCA, acessado em 17 de Abril de 2014.

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