quarta-feira, 25 de abril de 2012

O vício de estar sempre provendo mudanças


De início, esse título pode parecer incoerente. Afinal, o vício é, por definição, ruim, enquanto mudar é bom e necessário em uma sociedade como a contemporânea. Então, para que lado penderia o argumento deste artigo?
Antes de seguir na análise, faço uma pequena digressão pelos cenários de mudança mais comuns nas empresas: o mundo corporativo está "viciado" em uma série de programas de gestão dessas situações. Eles consomem recursos volumosos e, não raramente, geram alto nível de estresse nas pessoas. Para agravar a situação, muitas vezes, antes mesmo da consolidação do programa original, novos programas são colocados em funcionamento. A grande pergunta é: eles conseguem resolver o que se propõem a resolver?
De acordo com os depoimentos dos presidentes das 500 melhores e maiores empresas brasileiras, em grande parte dos casos não se atinge o resultado esperado.
Um dos motivos do fracasso de inúmeros programas de mudança é que se buscam respostas "prontas" - ou seja, aplicam-se metodologias - a questões mal formuladas ou formuladas superficialmente. Não se investe tempo e energia na fase de diagnóstico, que chamamos de mapeamento.
As empresas querem soluções rápidas, acham que já conhecem os seus problemas. É bem verdade que normalmente os conhecem, mas raramente param para refletir sobre a origem deles. Além disso, com frequência os consultores, ou mesmo as escolas de negócio, estão prontos para vender as suas soluções e ajudam as empresas a embarcar nelas.
Outro motivo é que grande parte do desenvolvimento da mudança se concentra nas dimensões racionais da organização, ou seja, em processos, estrutura, estratégia.
Tem-se muita dificuldade de mergulhar com profundidade no campo mais emocional, principalmente porque lidar com cultura, pessoas e liderança significa lidar consigo mesmo, o que nem todos os gestores estão dispostos a fazer.
Ademais, muitas vezes os novos dirigentes se ocupam mais em "fazer barulho" do que em dar continuidade a um plano de longo prazo, consistente, que mantenha o programa em andamento, se ele for adequado. Operar uma mudança efetiva dá trabalho, exige persistência e até hoje, em diversas partes do mundo, a medição de resultados é um enorme desafio para os indicadores de Wall Street.
Outra armadilha comum é "delegar" a gestão da mudança à área de recursos humanos, que normalmente recebe a incumbência com alegria e orgulho. Não podemos deixar de enfatizar a importância da função RH em um contexto desses, porém ele não pode ser visto - nem se ver - como "dono" do processo.
A área precisa ter a postura firme de não receber um mandato que não poderá cumprir. Além disso, uma consultoria eventualmente envolvida deve se posicionar claramente, fundamentada em seu diagnóstico, ainda que sob risco de desagradar as pessoas que estão no poder e com isso não efetivar o contrato.
Certamente não se chegará a lugar nenhum sem a abertura e a disposição do time diretivo. No dia a dia deve-se considerar sempre que as pessoas precisam compreender as razões pelas quais é necessário mudar. Elas precisam querer mudar, adquirir novas competências e a operar de modo diferente.
É fundamental aprender a separar o joio do trigo, ou seja, saber quando a mudança é verdadeira e essencial e quando ela se torna apenas um teatro para a organização parecer moderna. Nesse teatro se configura o vício da mudança, e a consequência disso é que ela não se concretiza. A mudança só é saudável e eficaz se analisada e vivida de forma crítica, sem se tornar viciosa.
Betania Tanure é doutora, professora da PUC Minas e consultora da BTA

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