sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Para empreender é preciso ter estomâgo


Da plateia, surgiu o dilema: um espectador morre de vontade de empreender, de ter seu próprio negócio, mas teme deixar seu emprego atual, que julga ser bom, com um salário razoavelmente alto. O que fazer? – perguntou a pessoa, anônima, aos três empresários presentes. Carla Sarni, dona da Sorridents, a maior empresa odontológica da América Latina, respondeu: “você tem de ter estômago”.
A dentista, hoje dona de uma rede de 180 franquias e palestrante do quarto evento do Movimento Empreenda, realizado pela Editora Globo, contou que quase quebrou a sua empresa quando, por causa de mudanças na política de crédito do governo, perdeu uma das fontes de recursos que usava para manter a Sorridents em atividade.
Com o 13º salário de seus funcionários a vencer e sem dinheiro suficiente, Carla vendeu seu apartamento às pressas, por um valor abaixo do que realmente valia, usou o que conseguiu para salvar a Sorridents e se mudou, para morar de aluguel. “Como meu apartamento anterior tinha o dobro das coisas, eu tive de deixar muita coisa encaixotada”, disse. “Eu morei vários meses entre caixas, então posso dizer que, se você quer empreender, é bom ter estômago, porque nem tudo são flores.”
A Sorridents cresceu e, hoje, Carla tem um novo apartamento, ainda maior do que aquele que teve de vender. Tudo porque apostou em clínicas odontológicas de primeira linha para atender à classe C. “Nós abrimos algo com uma rentabilidade menor, para ganhar no volume e dar à classe C o mesmo tratamento das classes A e B”, afirmou a dentista, que é amparada pelo marido, cuja função é cuidar das finanças. Até abriu, depois, um salão de festas e um café, sonhos compartilhados pelo casal.
Lito trabalhava, infeliz, há alguns anos em uma empresa. As horas não passavam, ele as contava para que o dia acabasse. “Fui demitido”, contou. “Saí de lá feliz por ter sido demitido, mas triste por não ter tomado essa decisão primeiro.” Pegou suas economias e o dinheiro que havia sobrado da venda de parte de uma loja de móveis, uma tentativa anterior de empreender que não havia dado certo, e partiu para criar, em shoppings, lava-rápidos que não usassem água na lavagem dos carros.
Teve de ter estômago forte para digerir uma série de questões que fugiam de seu conhecimento. A Dry Wash é uma empresa que lida com produtos químicos, mas Lito não sabia absolutamente nada de química. Naturalmente, havia o lado financeiro, contábil, e o empresário também não era familiarizado com a área. Sempre a delegou a certos sócios que tinham a formação adequada.
O empresário se ocupou, enquanto isso, de montar a imagem da empresa e formar funcionários, pois sua grande meta era que eles, uniformizados, registrados e treinados, dessem tratamento de primeira aos clientes. Seguiu a filosofia de que não trabalha com carros, mas com gente. Até que, depois de ter alguns problemas com os sócios responsáveis pelas finanças, pediu ajuda a uma instituição de ensino e passou a frequentar eventos como o Movimento Empreenda. Voltou a estudar.
Robinson Shiba, CEO do grupo Trendfoods, dono dos restaurantes China In Box, de comida chinesa, e Gendai, de japonesa, também contou ao espectador em dúvida como driblou alguns problemas. Em 2012, o boom da culinária oriental no Brasil fez com que a companhia chegasse a 220 franquias e R$ 320 milhões em faturamento, segundo o presidente, mas o cenário era bastante diferente há 20 anos, em 1992, quando ele abriu a primeira unidade do China In Box.
Naquela época, não havia fornecedores de filés de peixe cru, por exemplo. Ele tinha de recorrer ao bairro da Liberdade, tradicional reduto oriental em São Paulo, para consegui-los. Devido à hiperinflação daqueles tempos, tinha de reajustar os preços no cardápio toda sexta-feira – exatamente na sexta, porque a clientela aumentava nos fins de semana. Outro problema foi o preconceito dos brasileiros à cozinha oriental, notado em uma pesquisa informal que fez. "As cozinhas aparentavam ser sujas", disse ele.
As soluções vieram aos poucos. O empreendedor teve de encontrar alguns bons sushimen, à época uma raridade, para que eles soubessem distinguir um bom peixe cru de um ruim. Recompensou-os com participações no controle das lojas, para que eles se sentissem motivados. Quanto ao preconceito em relação à limpeza das cozinhas, normalmente ilustradas com grandes dragões chineses, abandonou os símbolos orientais e fez um modelo ocidental da fábrica de yakissoba. Nome em inglês, jeito de restaurante brasileiro e entrega em domicílio. Funcionou.
O presidente da Trendfoods, empolgado com a economia brasileira, hoje estável, quer fazer o grupo dobrar de tamanho nos próximos cinco anos. Mas é um dentista que, como disse durante sua palestra, ainda não se acostumou a ser chamado de “presidente” e “fundador” do China In Box. E respondeu ao espectador em dúvida. “Você disse que tem um bom emprego, um salário razoavelmente alto, então deve estar feliz. Meu conselho é: faça o que te faz feliz”. Ou é bom ter estômago.
Rodrigo Capello
Fonte: http://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Carreira/noticia/2012/11/para-empreender-tem-que-ter-estomago.html acesso em 16 de Novembro de 2012.



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