quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Organize-se, delegue e, enfim, descanse


Tirar férias anualmente e se desligar totalmente do trabalho é vital para que o profissional renove suas energias e consiga se manter produtivo, indicam os estudiosos e especialistas em qualidade de vida.
Entretanto, nem sempre essa pausa é respeitada, segundo aponta um estudo feito pela Consultoria BTA , sobretudo nos cargos de liderança. De acordo com os dados, cerca de um terço dos executivos brasileiros não consegue tirar férias há mais de três anos. E entre os que conseguem, quase metade não fica mais de 10 dias seguidos longe do trabalho ao longo de um ano. O estudo ouviu executivos das 500 maiores empresa do Brasil.
Autora da pesquisa, professora do programa de administração da PUC-MG e diretora da BTA, Betania Tanure avalia que resolver a questão não é tarefa simples, porque os motivos que levam esses dirigentes a adiar seu descanso por longos períodos são diversos.
“Esse comportamento é reflexo, em parte, de uma cultura de liderança centralizadora, que tem dificuldade de delegar e fica com a agenda entupida e inviável”, diz a especialista.
Ela acrescenta que, seja por medo de perder o posto, ou por desconhecer os próprios limites, os sem-férias acabam aceitando todas as demandas, muitas delas de curto prazo. Dessa maneira, criam-se as condições para um desequilíbrio entre a vida profissional e pessoal que impede essas pessoas de se afastarem da empresa.
A coach e diretora-presidente do Instituto de Desenvolvimento Humano Lippi, Flávia Lippi, alerta que, imerso nesse ritmo por longos períodos, o grau de energia abaixa e o profissional começa a se voltar para o universo interno, perde a visão mais ampla da situação e aumentam as chances de ele tomar decisões erradas.
“Sob estresse, a amígdala cerebral aciona o medo. Quando isso ocorre, o cérebro se programa para tomar medidas imediatas, que nem sempre são as mais inteligentes”, afirma Flávia. Ela ressalta que o período de férias tem por objetivo justamente levar o executivo a se afastar do cotidiano e se recuperar para enfrentar outro período de trabalho de forma saudável.
Medidas. Organizar a agenda é a primeira medida para inverter esse quadro, recomendam ambas as especialistas. “O ideal é ter pelo menos 70% do seu tempo planejado. Entretanto, o que se vê entre os executivos é que eles conseguem gerir apenas 20% do seu tempo”, diz Flávia.
Segundo ela, existem cursos e programas de treinamento que podem auxiliar os profissionais a lidar melhor com seus compromissos, permitindo incluir as férias nos planos.
É o que faz o diretor de captação de dados da Serasa Experian, Amador Rodriguez. Ele diz não se lembrar de nenhuma ocasião em que tenha ficado um período prolongado sem férias durante sua carreira. “Eu me planejo para isso. Tento fechar os compromissos da minha agenda anualmente, para conseguir conciliar meu descanso com as férias escolares dos meus filhos.”
Para Rodriguez, o período anual de descanso é imprescindível para se manter produtivo.
“É o momento em que se reflete a respeito de tudo que envolve a própria vida, que se pensa com mais clareza, de longe, naquilo que precisa ser reestruturado quando voltar para o trabalho.”
Outra prática adotada por Rodriguez é confiar na equipe e delegar responsabilidades – e que é indicada por consultores de recursos humanos como primordial para obter equilíbrio. “Saber delegar é uma excelência em liderança. O líder que delega, se estressa menos, pois o que centraliza está sempre fazendo o trabalho do outro. É como o cozinheiro que não permite que o assistente corte uma cebola, porque ele o faz de forma diferente da dele”, diz Flávia.
Rodriguez afirma que seu foco no desenvolvimento da equipe dá a tranquilidade necessária para poder se ausentar, tanto para cumprir compromissos externos quanto nas férias.
“É comum eu ficar até cinco dias fora. Por isso, tenho a preocupação, no dia a dia, de fazer com que os membros da minha equipe assumam responsabilidades maiores para que estejam prontos para responder por mim quando necessário.”
Adotar essas atitudes, no entanto, não é fácil, admite Betania. O executivo terá de passar por uma jornada de autoconhecimento, lidar com seu ego, aprender sobre as suas limitações e calcular o risco que ele corre ao ficar de fora de algumas decisões.
“A dinâmica do mercado é que exige que as pessoas estejam sempre no limite. Esse ciclo que vivemos, de aumento de exigência constante vai continuar. Algumas empresas já estão revendo essa equação e tentando equilibrá-la. Entretanto, o responsável por essa mudança é o indivíduo. É ele quem deve ditar as regras de vida e da carreira dele.”
‘Dormia e comia mal; estava desequilibrado’ 
Depois de ver sua produtividade e saúde desabarem, Flávio Ferraz, então executivo global de vendas de uma indústria de pisos de madeira, precisou rever seus conceitos. “O ser humano pensa que está sempre consciente, mas não está”, diz. Responsável, na época, pela implantação de uma filial da empresa nos Emirados Árabes e pelas vendas para outros 25 países, o hoje empresário ficou quatro anos seguidos sem férias, entre 2005 e 2009. “Eu dormia mal, comia mal. Tive problemas com meu peso, que começou a afetar a minha coluna. Enfim, tudo estava desequilibrado”, conta.
Esgotado, ele deixou a empresa, abriu o próprio negócio no mesmo ramo e criou a Tinderfloor, que hoje vende para o Brasil e o exterior.
Para não cometer os mesmos erros, fez coaching para, sobretudo, deixar de ser centralizador. “Eu canalizava tudo para mim, guardava muita coisa que não precisava. Coisas pequenas que não cabem a um líder”, revela. “Aprendi que não posso suportar e decidir tudo sozinho, que é preciso dividir.” Desde então, Ferraz consegue se planejar para sair de férias todos os anos. Compromisso assumido consigo mesmo e expresso no contrato social da sua empresa.
A organização, além de confiar na equipe e dividir as tarefas, é que tem permitido isso.
“Hoje, faço mais coisas que antigamente por ser mais organizado. E minha produtividade nem se compara à do passado.” Com a agenda definida para o ano todo, Ferraz diz que hoje consegue traçar planos para de longo prazo para a empresa, diferentemente do tempo em que ficava preso ao dia a dia. “Agora, eu consigo ver onde posso estar daqui a cinco anos. Antes, eu só pensava nisso, mas não tinha ação ou planejamento.
Empresa corta acesso remoto de quem sai de férias
Tão ruim quanto não tirar férias é tirar e continuar trabalhando, afirma o médico e mestre em medicina e economia da saúde Alberto Ogata, presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV). Ogata diz que é muito comum as pessoas saírem de férias e continuarem conectadas ao trabalho remotamente boa parte do tempo.
“As férias são para descansar e se desligar completamente do trabalho. Ficar 30 dias preocupado, ansioso, checando e-mails não é o ideal”, afirma o médico. Nesse sentido, diz, a tecnologia é prejudicial, pois impede que durante as férias exista o desligamento, que ele aponta como importante para que o profissional se revigore para voltar ao trabalho melhor do que quando saiu. “Não são raras as ocasiões em que a pessoa, ao viajar, elege como fator decisivo de escolha um hotel que tenha conexão com a internet.” Para ele, a tecnologia reforçou a noção de que a pessoa está disponível para trabalhar o tempo todo e em qualquer lugar, o que, em sua opinião, não é sustentável.
Há, no entanto, empresas que tentam evitar que o funcionário em férias caia nessa ‘tentação’. Na Serasa Experian, segundo conta o seu superintendente de desenvolvimento humano, Elcio Trajano Júnior, quando o colaborador sai para o seu período anual de descanso todos os acessos remotos, de e-mails a sistemas internos, são bloqueados até sua volta.
“Enxergamos a questão do equilíbrio entre o pessoal e profissional como sendo vital para a qualidade de vida e, consequentemente, da produtividade. Nesse sentido, a questão das férias é crítica. Estamos sempre reiterando com os líderes a importância dessa pausa”, diz.
Segundo Ogata, as empresas têm de prevenir o “presenteísmo”, termo que se refere ao profissional que está apenas de corpo presente na empresa, mas não está em condições plenas para produzir como deveria.
“Quase 70% da queda de produtividade é relacionada à essa questão”, afirma. Para ele, se a empresa permite que o funcionário saia de férias e continue trabalhando ela assume o risco de perder produtividade.

Claudio Marques



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