Muitos têm expressado preocupação quanto ao crescimento na China, após inesperados dados fracos nos primeiros dois meses deste ano. Mas alguns observadores globais mantêm a confiança no país diante das reformas estruturais anunciadas por Pequim em novembro do ano passado e aprovadas em assembleia neste mês. Para eles, o gigante emergente visa uma mudança de modelo econômico, rumo a uma economia mais aberta e orientada ao mercado.
Em entrevista ao site chinês CaixinOnline, o vice-presidente do Goldman Sachs e presidente do Goldman Sachs Ásia Pacífico, Mark Schwartz, afirma que não importa o dado de crescimento da China neste ano, pois essa ainda será a economia que mais cresce no mundo. "O mais importante é que um roteiro de reformas foi colocado em prática e uma estratégia foi determinada", diz.
Para Schwartz, desde que o presidente chinês, Xi Jinping, assumiu o cargo em março de 2013 a China mostra-se empenhada na adoção de medidas que visam à desregulamentação e à reforma de propriedade das empresas públicas, entre outras. "A China está sob transformação em direção a mais reformas e este processo não será concluído em um ou dois anos, mas continuará com o restante do mandato do Sr. Xi - 10 anos ou até mais."
Na contramão da maioria dos analistas, o economista-chefe para China do Deutsche Bank, Jun Ma, prevê um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) chinês em 2014 de 8,3%, uma aceleração ante a taxa de 7,7% dos últimos dois anos - no nível mais baixo desde 1999 - impulsionada, justamente, pelas reformas. Para ele, a participação do setor privado no PIB do país vai crescer 10 pontos porcentuais até 2023, para 79%.
Nesse cenário com as reformas estruturais, Jun prevê uma desaceleração para 8,1% em 2015, reduzindo a marcha para uma alta de 6,6% em 2020 e, então, chegando a um crescimento de 5,1% em 2023. Sem elas, essa perda de tração ocorreria de maneira mais intensa, alcançando uma taxa de 5,2% já daqui a três anos e recuando a 2,7% em 2023.
O economista e professor da Unesp, Luis Antonio Paulino, explica que a tendência, com o passar do tempo, é a China se aproximar das taxas de crescimento de economias mais desenvolvidas. "Tratam-se de mudanças compatíveis com aquilo que o governo chinês procura realizar no modelo econômico, saindo da fase inicial de desenvolvimento, que se baseia no uso intensivo de mão de obra barata, e se aproximando da fronteira tecnológica, passando a ser dependente de ganhos de produtividade", diz.
Ele acrescenta que, evidentemente, esse patamar de crescimento mais moderado pode representar um problema para os países exportadores de commodities, principalmente minerais, para a China. Por outro lado, abre uma nova janela de oportunidades para os países que tenham condição de abastecer o crescente mercado interno chinês em uma vasta gama de produtos, desde alimentos industrializados a produtos de alta tecnologia.
Dentre os setores em que essas mudanças devem avançar agressivamente no restante do ano, aguçando a competitividade, Jun, do Deutsche Bank, destaca a perda de participação das estatais na manufatura e no setor financeiro. Para ele, ao permitir a entrada de capital privado e estrangeiro em muitas indústrias dominadas por empresas estatais, haverá um maior acesso ao financiamento,
reduzindo os custos de funding e impulsionando o investimento externo e o crescimento econômico.As companhias de capital público, por sua vez, serão obrigadas a fazer um maior pagamento de dividendos. Haverá, inclusive, um impacto na composição dos índices acionários das bolsas de valores chinesas, com a inclusão de muitas companhias privadas e a exclusão de outras, públicas.
Para Schwartz, do Goldman Sachs, a China é uma economia importante, com um PIB de US$ 9,3 trilhões em 2013, e está se posicionando em todas as frentes em busca de um crescimento de maior qualidade, equilibrado e sustentável. "Eu não sou pessimista em relação à desaceleração econômica", afirmou, na entrevista ao site de Pequim.
A agência estatal de notícias Xinhua criticou a comunidade internacional, em editorial recente, recomendando-lhe que aprenda a ter uma visão mais positiva e sensível sobre a economia chinesa. "O ambiente em que a China e o resto do mundo estão envolvidos não é um jogo de soma zero, mas uma situação de ganha-ganha", apontava o editorial, acrescentando que visões negativas sobre o país não passam de uma leitura errada e má avaliação da situação econômica e, de nenhuma maneira, ajudam o mercado e a economia global.
"Sonho chinês". Além das reformas estruturais, há um novo ingrediente cultural no caldeirão chinês. Para o professor Paulino, da Unesp, também haverá uma mudança na cesta de consumo dos chineses, em decorrência do crescimento do número de pessoas muito ricas e do aumento da classe média geral.
Com a demanda crescente por bens e serviços no país comunista, o professor da Universidade de Hubei, o brasileiro Daniel Veras, que vive na cidade chinesa de Wuhan, desde 2006, cita a ideia do "sonho chinês", que, para ele, vem como uma resposta direta à ideia do "sonho americano". "O sonho chinês traz consigo uma provocativa conotação de superação em meio à crise financeira dos Estados Unidos e dos demais países centrais do capitalismo", diz.
Segundo Veras, os chineses estão aprendendo que é glorioso enriquecer - e muitos o fazem alegremente. "Há décadas a religião perdeu força e o abandono de velhos ideais socialistas deixou um vácuo rapidamente ocupado pela adoração ao dinheiro." Ele acrescenta que através da ideia do "sonho chinês" os líderes comunistas tentam elevar o moral do povo, criando autoconfiança e princípios que reforçam a sociedade harmoniosa.
Estudo divulgado pela britânica WPP revela que o "sonho chinês" goza de um nível mais elevado de consciência que o "sonho americano" e um número crescente de chineses enxergarão a China como "país ideal" nos próximos 10 anos. Para a multinacional, o "sonho chinês" se difere do equivalente americano porque os sonhos pessoais e nacionais da China são "interdependentes".
Tudo isso tende a estimular o espírito de competição que, na China, é muito mais forte do que no Brasil e em outros países do mundo. "Nada mais natural para um país com 1,3 bilhão de pessoas ver a competição como uma oportunidade", completa o professor Paulino, da Unesp.
Fonte:ESTADÃO, acessado em 2 de Abril de 2014.
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