quarta-feira, 2 de abril de 2014

Mudanças estruturais na China são mais importantes que taxa de crescimento, avaliam analistas

Muitos têm expressado preocupação quanto ao crescimento na China, após inesperados dados fracos nos primeiros dois meses deste ano. Mas alguns observadores globais mantêm a confiança no país diante das reformas estruturais anunciadas por Pequim em novembro do ano passado e aprovadas em assembleia neste mês. Para eles, o gigante emergente visa uma mudança de modelo econômico, rumo a uma economia mais aberta e orientada ao mercado.
Em entrevista ao site chinês CaixinOnline, o vice-presidente do Goldman Sachs e presidente do Goldman Sachs Ásia Pacífico, Mark Schwartz, afirma que não importa o dado de crescimento da China neste ano, pois essa ainda será a economia que mais cresce no mundo. "O mais importante é que um roteiro de reformas foi colocado em prática e uma estratégia foi determinada", diz.
Para Schwartz, desde que o presidente chinês, Xi Jinping, assumiu o cargo em março de 2013 a China mostra-se empenhada na adoção de medidas que visam à desregulamentação e à reforma de propriedade das empresas públicas, entre outras. "A China está sob transformação em direção a mais reformas e este processo não será concluído em um ou dois anos, mas continuará com o restante do mandato do Sr. Xi - 10 anos ou até mais."
Na contramão da maioria dos analistas, o economista-chefe para China do Deutsche Bank, Jun Ma, prevê um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) chinês em 2014 de 8,3%, uma aceleração ante a taxa de 7,7% dos últimos dois anos - no nível mais baixo desde 1999 - impulsionada, justamente, pelas reformas. Para ele, a participação do setor privado no PIB do país vai crescer 10 pontos porcentuais até 2023, para 79%.
Nesse cenário com as reformas estruturais, Jun prevê uma desaceleração para 8,1% em 2015, reduzindo a marcha para uma alta de 6,6% em 2020 e, então, chegando a um crescimento de 5,1% em 2023. Sem elas, essa perda de tração ocorreria de maneira mais intensa, alcançando uma taxa de 5,2% já daqui a três anos e recuando a 2,7% em 2023.
O economista e professor da Unesp, Luis Antonio Paulino, explica que a tendência, com o passar do tempo, é a China se aproximar das taxas de crescimento de economias mais desenvolvidas. "Tratam-se de mudanças compatíveis com aquilo que o governo chinês procura realizar no modelo econômico, saindo da fase inicial de desenvolvimento, que se baseia no uso intensivo de mão de obra barata, e se aproximando da fronteira tecnológica, passando a ser dependente de ganhos de produtividade", diz.
Ele acrescenta que, evidentemente, esse patamar de crescimento mais moderado pode representar um problema para os países exportadores de commodities, principalmente minerais, para a China. Por outro lado, abre uma nova janela de oportunidades para os países que tenham condição de abastecer o crescente mercado interno chinês em uma vasta gama de produtos, desde alimentos industrializados a produtos de alta tecnologia.
Dentre os setores em que essas mudanças devem avançar agressivamente no restante do ano, aguçando a competitividade, Jun, do Deutsche Bank, destaca a perda de participação das estatais na manufatura e no setor financeiro. Para ele, ao permitir a entrada de capital privado e estrangeiro em muitas indústrias dominadas por empresas estatais, haverá um maior acesso ao financiamento,
reduzindo os custos de funding e impulsionando o investimento externo e o crescimento econômico.As companhias de capital público, por sua vez, serão obrigadas a fazer um maior pagamento de dividendos. Haverá, inclusive, um impacto na composição dos índices acionários das bolsas de valores chinesas, com a inclusão de muitas companhias privadas e a exclusão de outras, públicas.
Para Schwartz, do Goldman Sachs, a China é uma economia importante, com um PIB de US$ 9,3 trilhões em 2013, e está se posicionando em todas as frentes em busca de um crescimento de maior qualidade, equilibrado e sustentável. "Eu não sou pessimista em relação à desaceleração econômica", afirmou, na entrevista ao site de Pequim.
A agência estatal de notícias Xinhua criticou a comunidade internacional, em editorial recente, recomendando-lhe que aprenda a ter uma visão mais positiva e sensível sobre a economia chinesa. "O ambiente em que a China e o resto do mundo estão envolvidos não é um jogo de soma zero, mas uma situação de ganha-ganha", apontava o editorial, acrescentando que visões negativas sobre o país não passam de uma leitura errada e má avaliação da situação econômica e, de nenhuma maneira, ajudam o mercado e a economia global.
"Sonho chinês". Além das reformas estruturais, há um novo ingrediente cultural no caldeirão chinês. Para o professor Paulino, da Unesp, também haverá uma mudança na cesta de consumo dos chineses, em decorrência do crescimento do número de pessoas muito ricas e do aumento da classe média geral.
Com a demanda crescente por bens e serviços no país comunista, o professor da Universidade de Hubei, o brasileiro Daniel Veras, que vive na cidade chinesa de Wuhan, desde 2006, cita a ideia do "sonho chinês", que, para ele, vem como uma resposta direta à ideia do "sonho americano". "O sonho chinês traz consigo uma provocativa conotação de superação em meio à crise financeira dos Estados Unidos e dos demais países centrais do capitalismo", diz.
Segundo Veras, os chineses estão aprendendo que é glorioso enriquecer - e muitos o fazem alegremente. "Há décadas a religião perdeu força e o abandono de velhos ideais socialistas deixou um vácuo rapidamente ocupado pela adoração ao dinheiro." Ele acrescenta que através da ideia do "sonho chinês" os líderes comunistas tentam elevar o moral do povo, criando autoconfiança e princípios que reforçam a sociedade harmoniosa.
Estudo divulgado pela britânica WPP revela que o "sonho chinês" goza de um nível mais elevado de consciência que o "sonho americano" e um número crescente de chineses enxergarão a China como "país ideal" nos próximos 10 anos. Para a multinacional, o "sonho chinês" se difere do equivalente americano porque os sonhos pessoais e nacionais da China são "interdependentes".
Tudo isso tende a estimular o espírito de competição que, na China, é muito mais forte do que no Brasil e em outros países do mundo. "Nada mais natural para um país com 1,3 bilhão de pessoas ver a competição como uma oportunidade", completa o professor Paulino, da Unesp.

Fonte:ESTADÃO, acessado em 2 de Abril de 2014.

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