O livrinho amarelado eu comprei num sebo. Vi logo que pertenceu a uma psicóloga – estava todo escrito, sublinhado. May escreveu o livrinho nos anos 70 e dizia, já naquela época, que a criatividade se tornaria cada vez mais importante no mundo – marcado desde sempre pela ansiedade frente às mudanças e uma espécie de “limbo” que exige coragem para ser superado. Coragem para criar, inventar, descobrir novas formas, padrões, símbolos – e evoluir. Criar é, também, segundo diz May, uma luta contra a mortalidade. Da revolta contra a morte, nasceria o ato criativo. Um desejo intenso de viver além da morte.
Meu interesse no tema me leva a iniciar uma série de entrevistas – primeiro com algumas pessoas “escancaradamente criativas”. Na publicidade, criativo é nome de cargo, criatividade é meio de vida. Não deixa de ser interessante – e certamente uma certa “pressão” – ter a criatividade como missão, descrita como função. Inicio, portanto, pela criação na comunicação publicitária – um dos meus temas favoritos. Mas irei, claro, passear pelas visões de talentos em inúmeras áreas – afinal, a capacidade de imaginar e de criar está em tudo. No trabalho do artista, do pensador, do cientista, no relacionamento entre amantes, entre mãe e filho. É ela que move o mundo.
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Rynaldo Gondim |
Rynaldo Gondim é um premiado redator publicitário carioca. Começou sua carreira em 1991, na Mental Mark. Foi um dos responsáveis pelo lançamento da Oi, na agência NBS. Em 2004 foi para a W/Brasil, em São Paulo, convidado por Washington Olivetto. Quatro anos mais tarde foi para a Almap BBDO, onde permanece até hoje. Pilota aviões, diz que trabalhar em criação é uma profissão como qualquer outra. Criar, para ele, é sempre desafiador. É sofrido. Mas seu olhar é descomplicado, de quem vai lá e faz.
Nasce-se criativo ou desenvolve-se a habilidade ao longo da vida?
Gondim – Creio que é uma habilidade desenvolvida com o tempo e que qualquer um é capaz de aprender. Mas se você você tem vocação acaba se desenvolvendo mais, porque tem mais capacidade de trabalho. Vai conseguir ficar mais tempo com a bunda na cadeira sem achar aquilo insuportável.
Criatividade se ensina?
Gondim – Você aprende sozinho, mas acredito que um bom professor pode dar o caminho das pedras. Esse ano inclusive, eu decidi fazer uma experiência. Conversei com meu amigo Miguel Bemfica e vou dar aula na Cuca no segundo semestre.
Você sempre teve esse olhar?
Gondim – Acho que sim. Quando garoto eu gastava toda minha mesada com blocos de A4. Meu irmão mais velho desenhava muito bem e eu tentava seguir os passos dele. Tenho guardado até hoje um desses blocos. Em vez de histórias em quadrinhos, eu usei o bloco inteiro para desenhar outdoors. Eu tinha 8 anos.
Quando percebeu que tinha habilidades para criar, inventar, fazer diferente?
Gondim – Anos atrás fui votar em Del Castilho, no Rio de Janeiro, e reencontrei amigos de infância que eu não via há séculos.
Quando contei a eles o que fazia para ganhar a vida, ninguém ficou surpreso. Muitos disseram que tinha tudo a ver comigo. Fiquei bem feliz em ouvir isso.
Quando contei a eles o que fazia para ganhar a vida, ninguém ficou surpreso. Muitos disseram que tinha tudo a ver comigo. Fiquei bem feliz em ouvir isso.
Como é seu processo de criação: silêncio, barulho, meditativo, metódico, caótico…conte como você costuma ter boas ideias?
Gondim – Tenho uma boa capacidade de concentração. Muitas vezes fico criando com minha mulher vendo TV ao meu lado. Meu método não é caótico, mas é sofrido. Quando estou com uma campanha grande, eu fico obcecado até encontrar pelo menos uma ideia que eu goste muito. Deixo de pagar contas e adio todos os compromissos possíveis. É um inferno.
Criar sozinho é melhor que em grupos de brainstorming?
Gondim – Eu gosto de criar sozinho. Andery, meu dupla, também. O que é maravilhoso. Criamos separados e nos reunimos uma vez por dia para dividir nossas idéias. Funciona muito bem para nós.
Onde você busca inspiração?
Gondim – Não acredito em inspiração. Poucos dias depois de meu pai morrer eu criei um comercial divertido. E eu não achava nada engraçado naquele momento. É um trabalho como outro qualquer. Você precisa sentar e concluir dentro de um prazo. Não dá pra contar com esse negócio de inspiração.
O futuro é dos criativos ou dos inovadores?
Gondim – O futuro é dos advogados.
Qual a diferença entre ser criativo e ser inovador?
Gondim – Sinceramente, não tenho a mínima idéia.
O que você faria se não estivesse nessa profissão?
Gondim – Provavelmente, seria piloto de linha aérea.
Ganhar a vida com criação é para muito poucos?
Gondim – Acho uma profissão como qualquer outra.
Você tem um pacto com você mesmo de se “reinventar” de tempos em tempos, buscar algo inteiramente novo para fazer, se desafiar?
Gondim – Na verdade, não. Mas de um tempo para cá comecei a ficar mais perto dos profissionais de on line. Mas já cheguei à conclusão que não existe a menor diferença no nosso trabalho. Só muda a plataforma.
Quando você se sente mais criativo?
Gondim – Não tem essa. Cada vez que chega um JOB eu morro de medo de descobrir que sou uma farsa. Fico apavorado, sento e saio fazendo.
Qual o papel do ócio na sua vida?
Gondim – Como todo mundo nesta atividade, trabalho como um cão e não tenho muito tempo de ócio.
O que mais você gosta de fazer quando não está “trabalhando”?
Gondim – Pilotar aviões. E ficar em casa com minha mulher, o que é basicamente a mesma coisa.
O que te interessa mais na literatura e no cinema, por exemplo?
Gondim – Eu vejo tudo quanto é tipo de filme. Adoro ver filmes, especialmente em casa. E leio livro distintos também.
Até biografia que eu não era muito chegado, tenho lido ultimamente.
Até biografia que eu não era muito chegado, tenho lido ultimamente.
Cite alguns criativos que te inspiraram ao longo da vida – de qualquer área.
Gondim – Washington Olivetto, Ricardo Gondim, Saint-Exupéry, Richard Bach, Fernando Veríssimo, Mario Vargas LIosa, Gabriel Garcia Márquez, Charles Bukowski, Machado de Assis, Robert A. Heinlein, Cartola e Bono Vox.
Qual o último livro que leu e o que gostou a respeito dele?
Gondim – Acabei de reler o livro do meu irmão, Ricardo Gondim: “B”. Ricardo tem um domínino da forma invejável. Adoraria saber escrever como ele.
Como você se vê daqui a 5, 10 anos?
Gondim – Eu adoro sentar e fazer. Mas sinto que logo, logo serei obrigado a migrar para a direção de criação se quiser estender minha carreira. Mas isso pode ser bastante prazeroso também.
Como você se vê na velhice?
Gondim – Basta olhar para um espelho. Estou com 41 anos.
Fonte: Época Negócios, acesso em 10 de janeiro de 2014.
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