Nesta segunda-feira (12/11) o Brasil e outros 125 países realizam o maior movimento mundial em prol dos pequenos negócios: a Semana Global do Empreendedorismo. Até domingo (18/11) centenas de eventos serão realizados em todo o pais para conectar e capacitar jovens e adultos nas mais diversas áreas do empreendedorismo. Embora a maioria das atividades estejam concentradas de 12 a 18 de novembro, há eventos durante o mês todo, quase todos gratuitos. A programação completa está no site da Semana Global de Empreendedorismo.
No Brasil, a iniciativa é liderada pela Endeavor, que auxilia na coordenação de mais de 500 entidades parceiras, entre organizações não governamentais, empresas, universidades e o setor público. O tema escolhido para este ano, “Por um Brasil mais empreendedor!”, pretende despertar e lapidar o espírito empreendedor nas pessoas. "É um momento especial (pelo qual passa o Brasil agora), mas certamente ainda é o começo de uma história a ser construída. A gente tem uma série de desafios a respeito de educação empreendedora a serem vencidos”, diz Juliano Seabra, diretor de Educação, Cultura e Pesquisa da Endeavor, responsável pelo desenvolvimento e implantação de projetos e parcerias voltados para inspirar, capacitar e influenciar o ambiente empreendedor do país.
Seabra já representou a instituição em fóruns internacionais da ONU e no Fórum Econômico Mundial. Mestre em administração pública e governo pela FGV-EAESP, especialista em gestão de negócios e operações pelo Insper e graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, atualmente é o principal interlocutor da Endeavor com agências governamentais. Em entrevista a NEGÓCIOS, falou sobre o atual momento do empreendedorismo no país, os desafios para construir empresas de grande impacto e se o Brasil caminha realmente para a construção de uma cultura empreendedora.
Época NEGÓCIOS: O tema da Semana Global de Empreendedorismo deste ano é “Por um Brasil mais empreendedor!”. Embora seja consenso de que hoje temos uma cultura empreendedora mais forte no país, ainda estamos em um estágio inicial?
Juliano Seabra: Acho que estamos em um momento muito especial. Uma pesquisa recente da Endeavor mostra que mais da metade dos universitários considera o empreendedorismo como alternativa de carreira. Outro levantamento, da Companhia de Talentos, aponta que o negócio próprio já é a quarta empresa dos sonhos dos jovens. E a imprensa tem falado muito sobre o assunto. É um momento especial, mas certamente é o começo de uma historia a ser construída. A gente tem uma série de desafios a respeito de educação empreendedora a serem vencidos. As pessoas ainda empreendem muito na raça, sem preparação e, embora o tema ganhe força nas Universidades, os cursos de empreendedorismo ainda estão muito concentrados nos cursos de Administração de Empresas, quando deveriam fazer parte da grade de outras carreiras também. Claro que rompemos uma barreira. Há cinco anos, falar sobre empreendedorismo era um desafio bem maior do que hoje. Mas ainda estamos em uma fase inicial, precisamos fazer uma série de coisas.
E que coisas são essas?
Nós temos trabalhado considerando seis grandes eixos. Oprimeiro é a burocracia e os impostos. Precisamos ver o empreendedorismo como um processo de não apenas criar, mas desenvolver empresas. Você pega o Simples, que é um mecanismo bom e que simplifica bastante o pagamento de impostos das empresas, e percebe que se a empresa faturar acima de R$ 3,6 milhões começa a ser cobrada com as mesmas regras de uma mega empresa, o que dificulta muito o desenvolvimento dos empreendedores. Quem fatura R$ 3 milhões ainda tem uma empresa pequena, com dificuldades de organização e decisões centralizadas na mão do dono. O segundo eixo é infraestrutura e condições de mercado. Garantir juros mais baixos e que os empreendedores não sejam atrapalhados por outros problemas. O terceiro é o acesso a capital. Temos o desafio de construir com os empreendedores uma cultura de captar recursos com banco ou investidor-anjo. O quarto eixo é um dos maiores gargalos: a questão da inovação. O empreendedor brasileiro não cria produtos novos e não compete em mercados inexplorados, ele está sempre em ambiente competitivo muito hostil e a qualquer mudança acaba matando o negócio. O quinto ponto é a educação. Nós temos evidências claras de que os empreendedores que rompem barreiras, crescem e criam empresas sólidas são os com boa formação escolar. E o sexto e último eixo é a disseminação de uma verdadeira cultura empreendedora que trabalhe o fracasso e o lado ruim de empreender. Ainda não criamos uma cultura de celebrar os fracassos. Temos uma geração de empreendedores idealizando muito. Eles precisam conhecer as dificuldades também.
Você acredita que a criação do Ministério das Pequenas Empresas pode colaborar para a melhoria deste cenário?
Depende de qual for a filosofia implantada. Ajudar a criar muitas pequenas e microempresas seria bom, mas melhor ainda seria se o eixo do governo fosse encaminhar o pequeno para se tornar médio. Temos que acabar com uma cultura muito comum nos países emergentes que é a falta crônica de empresas médias. Isso é ruim porque criamos uma dependência muito alta dos dois extremos. Nos momentos agudos de crise o governo precisa atingir direto as grandes empresas e ao mesmo tempo alimentar uma massa de pequenas e microempresas que são muito frágeis. Continuar pequena pode ser uma filosofia de vida, mas implica em uma série de riscos para o negócio, que vai estar sempre no fio da navalha, correndo o risco de quebrar por alguma pequena variável macroeconômica ou porque entrou um novo player no mercado.
Então para uma empresa dar certo no Brasil ela precisa necessariamente nascer para se tornar grande?
Não. Isso é mais uma filosofia de negócios. Tornar-se grande depende de uma conjunção de fatores. Tem que ter uma boa ideia, fazer do jeito certo, com pessoas certas. O nosso sonhar grande promove a ideia de não ficar parado. Construir um modelo de negócio com controle e qualidade de vida para garantir que o seu produto possa atender mais pessoas. Não existe certo e errado no mundo do empreendedorismo. O tamanho da empresa está relacionado ao tamanho do sonho, capacidade e oportunidade do empreendedor.
Houve uma mudança no perfil do empreendedor brasileiro nos últimos anos. Antes o foco era em negócios tradicionais, como o varejo e o setor de serviços. Hoje temos também uma série de startups de tecnologia e a esperança de que nasça no Brasil um futuro Google. Essa diversificação é positiva? Nós precisamos mesmo ter o nosso Vale do Silício?
Não se trata de uma mudança de perfil. O Brasil da padaria e das lojas de serviços continua existindo e sendo fundamental para garantir o nível de emprego e prestação de serviços. O que nós temos agora são duas coisas novas. A primeira é o surgimento das empresas digitais, que atraem principalmente os jovens com formação acadêmica. Temos que tomar cuidado para não glamourizar isso antes dessas empresas entregarem resultado para não criar uma bolha. Muitas empresas estão procurando o seu caminho dentro do mundo digital e são poucas as que conseguiram encontrar. Tem outro público do qual não falamos muito que são as comunidades, como a Central Única das Favelas (Cufa), que lançou a Liga dos Empreendedores Comunitários para capacitar milhares de empreendedores da favela que têm negócios de grande impacto na sua região. O Brasil empreendedor consegue ter diferentes públicos. A gente pode sim ter um Vale do Silício no futuro, mas no Brasil os empreendedores digitais ainda estão adaptando muitas coisas de fora para a realidade daqui. Não estão inovando.
Qual a melhor forma do jovem que tem o sonho de empreender começar? Ele deve apostar na sua ideia ou ter uma expêriencia prévia no mercado de trabalho?
O empreendedorismo tem a ver com mão na massa, aprender com os outros, se desenvolver sozinho, quebrar a cara. O timing é relativo. Todo empreendedor no começo está muito apaixonado pela ideia. O que define se é o momento certo de empreender são três coisas: estar mesmo muito apaixonado pela ideia, o quanto ele tem de experiência e se existe oportunidade de mercado, se ele está resolvendo um problema. Como estamos construindo uma cultura, as pessoas hoje dizem que querem empreender mas não sabem exatamente no que. Essas pessoas precisam encontrar algo pelo qual elas se apaixonem.
A Endeavor investiu nos últimos anos na abertura de escritórios em outras capitais brasileiras. Como está o empreendedorismo fora do eixo Rio-São Paulo?
Está crescendo absurdamente. Ainda temos poucas organizações promovendo o empreendedorismo, mas do ponto de vista de empreendedores está muito bem. Esse é o primeiro ano da Endeavor no Nordeste e nós selecionamos duas empresas. No Sul, temos três ou quatro casos em um ano e meio. As empresas de fora do eixo Rio-São Paulo já são algo em torno de 40% a 45% das empresas que a Endeavor seleciona no país.
Essa popularidade do empreendedorismo no Brasil pode ser uma moda passageira?
Estamos construindo condições pra ter uma cultura forte. Não acredito em modismo por uma razão simples: a forma como a sociedade está se organizando. Você não tem mais nas grandes empresas um eixo que irradia força. É muito difícil voltar atrás nesse processo, mas não pode parar no meio, porque o jogo ainda está bem longe de ser ganho. Acreditamos que o Brasil pode gerar empresas de mais impacto e que um dia a Endeavor vai deixar de existir. Mas esse processo vai demorar bastante. Empreender está no DNA de cada um. Antes não tinha forma de organizar a economia de forma que esse processo acontecesse. A Semana Global de Empreendedorismo, por exemplo, está no seu quinto ano e é a maior que já fizemos. Mas o jogo ainda não está ganho e existem muitas barreiras. Precisamos criar uma cultura, promover histórias e cultivar o fracasso, para que as pessoas tenham uma ideia mais próxima da realidade e a gente contribua para criar uma cultura empreendedora. Temos que criar um setor público que considere o empreendedorismo de forma mais abrangente, que ajude o jovem a entender melhor esse processo. Estamos em um momento em que a economia e a sociedade são incompatíveis com o modelo de grande corporação, então temos que combinar os dois lados para os empreendedores contribuírem com novas empresas e ao mesmo tempo ter o fomento de novos empreendedores.
Ligia Aguilhar
Fonte: http://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Vida/noticia/2012/11/entrevista-juliano-seabra.html acesso em 14 de Novembro de 2012.
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